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O FAROL | O perturbador realismo da solidão humana (Crítica)

No auge, o expressionismo alemão era celebrado (e em alguns círculos ridicularizado) por sua severa irrealidade. O público em geral sempre gostou de acompanhar na arte em geral um estilo que esteja banhado em loucura e perversões psicológicas que acabe mostrando de forma nítida as ideias sombrias de um criador que se torna uma personalidade interessante. O Farol (The Lighthouse), de Robert Eggers, não é puro expressionismo, mas pode muito bem estar com seus céus cinzas e impiedosos, muitas vezes desolados das costas em preto e branco onde testemunhamos duas performances tempestuosas de Willem Dafoe Robert Pattinson, que são tocados pela loucura que ficam enraizadas em seus olhares sem piscar e nas barbas e bigodes grossas que lançam uma irrealidade por si só.

O Farol é uma descida para o tipo de delírio que pode advir de beber muita água do mar ou de encarar por muito tempo o brilho de uma lanterna acessa. Mas não há nada de tão aconchegante nesse filme estridente, que exige que os dois atores alcancem suas mais belicosas afetações que, nas melhores cenas, alcançam uma qualidade mítica. Isso é bastante notável quando os dois personagens, e talvez o próprio filme, são pegos em um perpétuo estupor bêbado.

Robert Pattinson em cena do filme O Farol (The Lighthouse) / A24 & Vtrine Filmes

Situado no final do século 19, em uma rocha remota ao largo da costa da Nova Inglaterra, O Farol trata-se de uma estrutura homônima, que permanece desolada mesmo na brisa da manhã. É essa visão exata que se inicia o filme com o personagem Ephraim Winslow (Robert Pattinson), que está chegando pela primeira vez como wikie na ilha. Um tipo muito específico de faroleiro, os wikies são responsáveis ​​por manter a estrutura mecânica do relógio da lâmpada de óleo gigante que afasta os navios do desastre. No entanto, como o segundo wikie é o velho Thomas Wake (Dafoe), Ephraim descobre que seu trabalho é realmente a manutenção glorificada e o trabalho doméstico, enquanto Wake mantém a alegria e o êxtase aparente de operar a lâmpada todas as noites para si mesmo.

Willem Dafoe está milagrosamente entrincheirado ao viver Wake, o que não deixa de ser fascinante o modo como ele bebe todas as noites e quebra os longos silêncios do filme durante o dia (quando Thomas dorme) com uma barragem interminável de jargões de marinheiro. Esses protestos ameaçam afogar Ephraim tanto quanto o próprio oceano. Pior ainda, era apenas uma estadia de quatro semanas na ilha, mas como Ephraim não atende às superstições náuticas de Thomas, um sombrio nor’easter (Uma tempestade nor’easter é uma tempestade de macroescala que se desenvolve por toda a Costa Leste dos Estados Unidos) logo sugere que sua residência pode ser indefinida e à medida que a tempestade se torna cada vez mais alta, o mesmo ocorre com os dois homens, sem mencionar as visões de Efraim de uma bela sereia convidando-o para as profundezas.

Williem Dafoe em cena do filme O Farol (The Lighthouse) / A24 & Vtrine Filmes

No seguimento de Eggers ao seu magistral filme de estreia, A Bruxa, O Farol gera muita expectativa e Eggers consegue não apenas nos apresentar um dos grandes filmes de terror e suspense dos últimos anos, mas um dos melhores chillers (filmes de terror que dão calafrios) de todos os tempos. O Farol é um esforço muito ambicioso e que prega um design incognoscível, o longa entra na ambiguidade e fica ancorado lá, mesmo que a corrente acabe deixando o filme próximo da inversão da realidade de estudos sobre personagens de psicodrama. Sim, existem sereias e a presença nublada de forças tão Lovecraftianas quanto os tentáculos que Efraim pelo menos pensa que vê emanando da luz, mas isso é informado pelo tipo de solidão dominante que faz dos monstros marinhos um pesadelo do marinheiro febril.

Consequentemente, O Farol é um devaneio desconfortável, onde quase tudo o que vemos é suspeito. Nenhum dos personagens é um narrador confiável, não importa o quanto eles murmurem sobre si mesmos por meio de expressões antiquadas e através do hálito embriagado. Mas são as vozes que articulam os delírios que tornam O Farol tão assustador. Robert Pattinson tornou-se um ator cativante ao longo dos anos e fornece uma excelente atuação, ele mostra com veracidade o descontentamento de seu personagem, que serve apenas para complementar a força que de Dafoe emprega como um exuberante marinheiro.

Retratando Wake como partes iguais que desaprovam a figura paterna e talvez rejeitem o amante de Efraim, Dafoe cria um personagem destemido e que poderia sucumbir facilmente à autoparódia sem a extrema convicção de um artista que não tem escrúpulos em interpretar um homem cuja característica definidora é a flatulência onipresente. Passar 110 minutos com esse cara também nos faz duvidar de nossa própria sanidade, o que torna uma das melhores atuações de um coadjuvante neste ano.

Williem Dafoe e Robert Pattinson em cena do filme O Farol (The Lighthouse) / A24 & Vtrine Filmes

O mundo deles, que está coberto de velhas superstições e fábulas esquecidas, é meticulosamente trazido à vida pela direção de arte e figurinos, todos os quais Jarin Blaschke filma em preto e branco. Essas qualidades exatas, com ênfase na autenticidade histórica, mesmo quando nós voltamos para o surreal, confirmam que Robert Eggers é um dos estilistas visuais mais impressionantes da nova geração e um diretor que sempre vai insistir em empregar uma deliciosa qualidade onírica para seus filmes.

Mas vale destacar que o longa é uma obra bastante intrínseca de Eggers e provavelmente poderá não agradar e ser para todos os públicos, pois O Farol não tem medo de abordar certas situações que focam mais na história do que nos famosos jump scares no qual o público do gênero de terror esteja acostumado. Mas para aqueles que já estão predispostos para assistirem um longa rico em detalhes e com uma história peculiar, o longa é um prato cheio para acompanharmos uma obra diferente de um cinema que ultimamente vem produzindo sempre coisas parecidas.


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