MEDIDA PROVISÓRIA | Crítica do filme
Superando os desafios e entregando uma boa experiência cinematográfica,
o thriller distópico de Lázaro Ramos é ambientado em um futuro próximo no
Brasil com um governo autoritário respondendo aos pedidos de reparação e
igualdade de seus cidadãos negros e ordenando que todos os cidadãos afrodescendentes
se mudem para a África, isso causa caos, confusão, protestos e resistência
clandestina. O filme é angustiante de assistir porque as ideias com as quais
Ramos brinca aqui não estão fora do reino das possibilidades e a forma como as
nações atuais mais desenvolvidas lidam com a imigração e a crise de refugiados,
entre outras questões relacionadas à igualdade e direitos humanos, mostram que
o sentimento “volte para onde você veio” pode ser algo bem real.
As questões raciais do Brasil não são novas ou
surpreendentes, então a visão de Lázaro Ramos não está totalmente distante da
realidade e o filme é uma composição de alguns filmes distópicos que vimos no
passado, no entanto, é fundamentado por um período de tempo mais reconhecível.
Isso se passa em um futuro próximo, com os únicos grandes avanços técnicos que
parecem ser computadores e telefones e o filme também constrói lentamente o
quão intrusivo e eficaz é o governo autoritário, afastando-se de trás da
cortina e concentrando-se apenas nos cidadãos.
Alfred Enoch, Seu Jorge e Taís Araújo compõem o núcleo
central que acompanhamos durante a maior parte do filme. Enoch foi escalado com
base em sua capacidade de retratar um tipo de heroísmo e idealismo que se
encaixaria no molde de um jovem advogado idealista que busca mudanças no país
que ama. Seu Jorge tem o papel mais forte, o grande músico e ator equilibra o
excelente timing cômico com a destreza necessária para transmitir a seriedade
de ser negro no Brasil e o seu personagem possui profundidade e acaba sendo o
coração pulsante do filme, pois ele exemplifica tão lindamente o desafio ousado
ao racismo e a resiliência para seguir em frente e tudo ali mostrado está tão
profundamente enraizado. Tais Araújo completa o trio protagonista com uma
performance calmante e visceral como uma mulher negra tentando superar a
situação perigosa e precária em que se encontra.
Em seu primeiro papel principal em um longa-metragem, Alfred
Enoch exala energia de um grande protagonista. Ele é uma estrela por completo e
é difícil entender como demorou tanto para ele conseguir seu primeiro papel
principal em um filme. Lázaro Ramos vê claramente as qualidades que o britânico
possuía como ator para liderar um filme com um assunto tão pesado. Enoch faz
tanto com apenas um olhar e isso fica evidente tambémnos momentos em que ele
deve expressar ao espectador o seu grito por liberdade, isso mostra que o astro
tem um alcance excepcional e uma compreensão profunda do personagem que
interpreta.
Embora o filme esteja lidando com um tema tão difícil e
instigante como a deportação em massa de negros para a África, ele é tratado
com cuidado e sem exageros. Felizmente Lázaro Ramos transmite essa presença de
espírito de não definir seu filme em um futuro irreconhecível, mas é informado sim
como um momento muito distópico em que estamos e o diretor capricha com uma boa
dosagem e acabamos vendo tudo isso com a boa condução da câmera ao criar uma
narrativa que é executada de forma envolvente e certamente poderemos apontar
ele como um diretor promissor que será bastante talentoso, pois o filme é capaz
de equilibrar um tema sério e permanecer divertido e interessante por toda
parte.
Medida Provisória é em muitos aspectos um aviso claro e
decisivo para indivíduos não negros. Além da horrível ordem executiva centrada
do filme, os vilões são a cumplicidade do povo não-negro brasileiro que permite
que seus vizinhos, familiares, amigos, colegas de trabalho e mais sejam
marginalizados, odiados, discriminados e até o pior, sendo mortos. É na sua
inação e no cumprimento do status quo que a produção acaba mostrando que os
negros são alvos de um tratamento tão desumano.
Em um futuro próximo distópico no Brasil, um governo autoritário ordena todos os cidadãos da África a voltarem para o continente - criando caos, protestos e um movimento de resistência que inspira a nação.
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