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OS MISERÁVEIS | Filme francês mistura de forma brilhante "Dia de Treinamento" e "Cidade de Deus"! (Crítica)

“Meus amigos, lembre-se disso, não existem plantas ruins ou homens maus. Existem apenas maus cultivadores. ”

Victor Hugo

É com essa grande citação que o cineasta francês Ladj Ly fecha Os Miseráveis, com 39 anos e nativo de Saint Denis, seu primeiro longa-metragem se expande em um curta de Ly que há alguns anos (também intitulado Os Miseráveis e vencedor do melhor curta-metragem do prestigiado César Awards) e tem como foco uma  equipe diurna local do BAC (Brigade Anti-Criminalité, ou brigada anti-criminalidade) que atua com seu policiamento em extrema brutalidade.

Os mesmos atores repetem seus papéis aqui em uma estreia que aparece como uma granada de surpresa, apesar das convenções de suas sequências de abertura, a primeira das quais ocorre no dia da vitória da França na última Copa do Mundo, um raro momento unificador para a nação. 

Cena do filme “OS MISERÁVEIS” / Diamond Films

Logo em seguida a maior do filme ocorre pouco tempo depois. Conhecemos Stéphane (Damien Bonnard), um policial rural que foi recentemente transferido para uma unidade criminal do centro da cidade de Paris. Ly posiciona Stéphane como o idealista ligeiramente verde da equipe. Seu novo mentor, Chris (Alexis Manenti, que co-escreveu o roteiro com Ly e Giordano Gederlini), é o seu oposto, um racista endurecido que adora impor sua lei e completando temos Gwada ( Djebril Zonga) um policial negro que conduz a viatura da polícia no qual o trio irá trabalhar junto e que rapidamente descobrimos que o bairro que eles patrulham costumava ser um centro de tráfico de drogas, mas que a Irmandade Muçulmana o limpou, o que não impede a polícia de acompanhar de perto a “brutalidade do mundo à nossa volta”. 

A atmosfera é viril, e Stéphane recebe rapidamente um apelido que ele absolutamente não gosta. Ele também fica um pouco confuso quando é enviado para encontrar cegamente informações em Salah (Almany Kaoute), um ex-criminoso agora convertido na religião que controla o bairro. 

Com este enredo, Ly acaba explorando o seu longa com nuances do clássico Dia de Treinamento, filme policial que rendeu o Oscar para Denzel Washington, e justamente por essa citação que o filme começa a subir de velocidade, subitamente diminuindo o zoom para mostrar um panorama do ecossistema social e, de fato, antissocial do bairro. 

Somos apresentados aos jovens do bairro; os traficantes de drogas locais; a comissária de polícia (Jeanne Balibar); um proprietário de circo cigano chamado Zorro (Raymond Lopez); e uma série de outras pessoas na rotina de patrulha da equipe. Mas algo acontece enquanto a equipe está  patrulhando e Chris acaba se comportando de maneira bastante abusiva durante uma verificação de identidade. 

Um filhote de leão foi roubado por um garoto do circo do cigano Zorro, cujos membros ameaçam retaliação violenta contra “O prefeito” (Steve Tientcheu), uma espécie de chefe alternativo, pago pelo município para manter a paz nos bosques. Nossos três policiais intervêm e decidem encontrar o culpado, que logo se revela nas mídias sociais. 

Mas a prisão de Issa (Issa Perica), reincidente de 14 anos, dá muito errado e um drone pilotado por Buzz ( Al-Hassan Ly), outro garoto do bairro que acaba se tornando um personagem-chave que acabou capturando toda a cena. Ele voa com seu drone pelos telhado de seu quarteirão, além de capturar as cenas com os policiais, a câmera de Buzz permite ao espectador a visão de um voyeur das janelas do vizinho, mas também uma visão panorâmica do bairro de Bosquets.

Cena do filme “OS MISERÁVEIS” / Diamond Films

Com este problemão, Chris e Gwada lutarão agora para recuperar essas imagens, o que pode incriminá-los e incendiar a cidade, enquanto Stéphane adota um ponto de vista mais ético sobre a situação. Um espiral geral de tensão e animosidade começa, Ly faz um esforço conjunto para ir abaixo do solo dos filmes de crime convencionais. De fato, seu roteiro leva tempo para mostrar coisas aparentemente irrelevantes que acontecem atrás das portas fechadas do subúrbio, momentos de rico valor contextual, se não óbvio, de importância narrativa – como um grupo de mulheres contando dinheiro para um sistema de empréstimos cooperativos – que dão sensação de um mundo inteiro em movimento. 

O filme mistura profundo realismo, apoiado em detalhes precisos da vida cotidiana e da cultura popular dos habitantes do bairro, com ritmo intenso e uma poderosa energia visual aguçada pela câmera ágil do diretor de fotografia Julien Poupard (e o uso de um drone inteligentemente integrado ao da história). 

Como tal, Os Miseráveis impõe-se com grande força graças a personagens que personificam figuras muito credíveis, em um mundo difícil onde o respeito é uma faca de dois gumes. A declaração de Chris “Eu sou a lei aqui!”, gritou quando ele ultrapassou seu papel, ecoa como uma observação terrível. Através de uma história mais do que dinâmica, o filme faz uma avaliação intransigente de um lugar que não podemos entender bem, pois ali é o habitat que fala muito sobre seu jovem diretor.

Cena do filme “OS MISERÁVEIS” / Diamond Films

O grande truque do filme em se tornar uma história magnifica Ly apresenta ao espectador mais de uma dúzia de personagens totalmente considerados, sem comprometer a velocidade vertiginosa da abertura da glândula adrenal, e eu não pude deixar de pensar em Cidade de Deus, o drama brasileiro que é considerado um dos melhores filmes deste século. 

O filme de Ly chega próximo da visão pesada e sombria que Fernando Meirelles impôs em seu clássico filme, a revolta de Issa nos traz à tona um novo Zé Pequeno, mesmo que com uma personalidade diferente, o garoto é mais calado, frio e calculista, mas a maldade enraizada no olhar é igual, é forte, ele é brutalmente mal com aqueles “miseráveis” que foram maus com ele e a ajuda de outras crianças e adolescentes do bairro mostra que “o povo unido, jamais será vencido”.

No final, quase sem saída, o filme termina no clímax moral entre Stephane e Issa, o quer que o garoto e o policial tenham feito não irá reverter o caos que ambos são cúmplices, a partir daquela cena ambos serão outras pessoas, ambos serão seres humanos miseráveis nos quais como Victor Hugo disse:

A sua suprema agonia foi o desaparecimento da certeza e sentiu-se desenraizado… Ah, que coisa assustadora! O homem determinado, já sem conhecer o seu caminho e a recuar!


Trailer:

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