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SHE-RA E AS PRINCESAS DO PODER | Crítica da Animação



Um dos projetos que eu estava tocando na minha antiga casa era falar de seriados voltados aos pequenos. Dar minha contribuição ao falar de produções que acho apropriadas ao desenvolvimento deles, foi sempre algo que queria muito fazer.

E se tem algo hoje que são combatidas são as produções da Netflix, e quando você resolve dar uma nova visão e versão a um clássico do passado, é natural que os fãs antigos e old school fiquem com o pé atrás.

Um elogio infantil a amizade.

Mas amigos, podem ficar tranquilos, She-ra e as Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power), produzido em parceria por Dreamworks Animation Television, Netflix e Noelle Stevenson em 2018, é um colírio. Falo sério. Estamos falando aqui da melhor série cartoon com elementos de anime dos últimos dez anos.

A primeira coisa a se destacar é a inteligência dos produtores. Fruto de uma escritora que apesar de ter influências duvidosas, soube pôr um lado feminino, tocante principalmente as meninas da faixa de 6 a 10 anos de idade. Não que a série não seja agradável aos adultos, é e eu vou dizer o por quê lá na frente.

Tanto de um lado como de outro.

A história é complexa, e lembra um RPG de mesa. Novamente temos Adora, uma caçadora e capitã das forças da Horda, que responde somente ao Lorde Hordak (o ponto alto dessa série) e tem como companheira a gata selvagem Felina, uma metamorfa de menina e gato, criada pelo poder das trevas de Sombria, uma das bruxas mais poderosas de Etérnia. Até ai pouca diferença com o original, mas as semelhanças acabam ai.

Adora foi criada pela Horda desde seu nascimento, e tutorada assim como Felina por Sombria. Desde pequena Sombria a adotou, e não por menos, há uma grande capacidade na garota. E como o destino costuma pregar peças, em mais uma de várias muitas missões com sua colega (não, elas não são amigas), Adora tem contato com os rebeldes do castelo de Lua Clara e com a Espada do Poder.

Felina e Hordak, agora sim um dos maiores vilões ja feitos.

A partir daí ocorre uma grande mudança na vida da loira. Ela se envolve com a princesa mirim Cintilante e o novo Arqueiro. A partir daí um laço forte de amizade é criado e o trio protagoniza a maioria das aventuras. Adora com o poder de She-Ra, consegue grandes vitórias sobre a Horda, mas inteligentemente o equilíbrio é a marca do seriado. She-Ra pode marcar uma mudança na estrutura dos desenhos infanto-juvenis, com a sua estrutura compartilhada e seu corajoso esforço em mostrar os dois lados da moeda. Prepare-se pra algumas vezes, como em Star Wars, torcer pro lado das trevas, e ver que mesmo nelas existe luz, e até mesmo pitadas de brilhantismo.

Muito além do drama adolescente entre Adora e Felina, há em She-Ra uma construção complexa de personagens, que lembra animes e histórias épicas como Naruto e Record of Lodoss War, aliás com forte influência desse segundo. Há um foco na personalidade das princesas e do grupo de antagonistas, em especial a ótima personagem Scorpia, o grupo de soldados de confiança de Felina (lembram a revista brasileira Holy Avenger), a princesa Entrapta que é louca pela ciência e tecnologia e acaba por se aproximar de Hordak e causar um brilhante triângulo, e Sombria, a maga das trevas que esconde um passado trágico, com ligações com o pai de Cintilante, Micah, que é um feiticeiro poderoso e o rei de Lua Clara.

A amizade juvenil sendo tratada como se deve, de forma ingênua, leve e infantil.

Mas quem acaba com o seriado sem dúvida é Hordak. Grande surpresa, pois seu personagem era um alívio cômico no original, aqui é construído como um homem quebrado, de várias camadas, com um senso de honra doentio. Sim, honra. Humanizado pelo excelente dublador Keston John (e exemplarmente pelo grande dublador brasileiro Guilherme Briggs, em um de seus melhores trabalhos), Hordak assusta, intimida, manipula e faz lembrar o grande Ashram de Lodoss War, e eu ponho fácil como um dos melhores antagonistas dos últimos dez anos.

Sua devoção fanática e obstinação em se provar digno faz lembrar o mito Vegeta, da saga Dragon Ball, e faz com que muitas vezes você queira torcer pela “felicidade” dele. E chega a ser engraçado em um seriado onde a autora suporta o “gay agenda” (já falamos nisso) o personagem que se sobressai é malvado, paternalista, masculino com toques de misantropia como um Gregory House. Com certeza as crianças que assistiram vão se lembrar do vilão.

Como sempre nem tudo são flores, apesar de ter tido uma recepção muito comemorada da crítica (100% do Rotten Tomatoes e atualmente 7.3 no referenciado IMDb), Noelle abraçou a representatividade ao colocar pais gays, um elenco propositalmente feminino, quase sem a presença masculina, e personagens profundamente explorados psicologicamente, um ponto bastante positivo.

Em She-Ra não há um mal absoluto, o que lembra produções como Liga da Justiça pela diversidade de temas (as vezes até pesados pra crianças), os dois lados estão errados, e os personagens balançam de um espectro a outro com uma imparcialidade pouco vista nesses tempos de mimimi. O drama é visível, e o lado cômico que é muito explorado consegue equilibrar o seriado, de maneira nonsense, preparando o espectador para a trama até um pouco pesada para os moleques.

Em resumo She-Ra and the Princesses of Power é uma grata surpresa e uma homenagem bem intencionada ao clássico seriado dos anos 80. Possui um enredo complexo e que respeita a inteligência de quem assiste, sendo recomendado para crianças, jovens e adultos. Os pais podem ficar sossegados (Hordak merece um spin-off), e garanto que esse foi um golaço da Netflix.

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